Cynthia Zanoni tem 25 anos e é evangelista técnica na Microsoft. Ela é idealizadora do projeto WoMakersCode.org, que prega a democratização da tecnologia e programação – a PrograMaria, inclusive, já participou de um dos eventos que a organização realizou em São Paulo!
Conversamos com a Cynthia sobre o impacto que a tecnologia teve e em em sua vida. Leia na entrevista:
1) Conte um pouco sobre sua atuação/trajetória profissional.
Meus primeiros contatos com tecnologia foram por volta dos 13 anos, quando comecei a ler livros e revistas de programação para web. Achava que era super hacker criando sites no frontpage [um editor de HTML da Microsoft para criar páginas na web] e usando a tag blink do HTML [faz o texto piscar no site – hoje não é um elemento padrão e não funciona na maioria dos navegadores]. Aos 15 anos, fiz um estágio de monitora de aulas em uma escola de cursos de informática na minha cidade, e desde então nunca mais tive dúvidas que queria trabalhar com tecnologia.
Logo que me formei no ensino médio, segui trabalhando como assistente financeiro em um escritório de engenharia, para viabilizar um curso técnico em informática. Durante o curso, fui para uma empresa de software, na qual enfrentei várias situações pelo simples fato de ser uma mulher desenvolvedora.
Por muito tempo, fiquei calada e pensei em desistir do meu curso e voltar para área financeira, mas de certa forma, algo me segurava e me fazia seguir. Em altos e baixos, houve um momento bem crítico em que quase larguei tudo, por estar totalmente desmotivada e infeliz naquele estágio e com o tratamento que recebia na empresa (eu era a única menina lá).
Nessa mesma semana, sofri um quase assalto na saída da minha aula e desde esse dia, minha vida mudou completamente. Lembro até hoje das palavras do assaltante “O que você, uma bonequinha quer essa hora da noite na rua?!”, fui agredida e quase levei uma facada, pensei que tudo iria acabar pra mim naquela noite..
O assaltante tentou me agredir e exigiu minha bolsa. Ele ficou me insultando e questionando coisas como “O que você quer sair da escolinha a noite?! Você é uma barbie, tem que estar em casa”. Como se eu não tivesse o direito de ser independente. Como se eu não tivesse o direito de ir e vir a hora que precisasse. A única coisa que eu queria era poder estudar e ser alguém.
Nesse momento, tudo parou e fiquei pensando em muitas coisas da minha vida e acabei lembrando que tinha um livro de JavaScript na bolsa e automaticamente tive a sensação de que poderia me defender de alguma forma. Disse a ele que entregaria a bolsa e quando ele se afastou, fui pra cima dele com o livro e dei uma pancada nele e sai correndo até um hotel que tinha próximo da estação de ônibus pedindo socorro. Quando voltei até o lugar pra mostrar o cara, pra minha surpresa ele estava sentado na rua com o olho sangrando e me acusando de ter atacado ele. Para encurtar a história, o BO desse ataque que sofri se tornou um troféu, por ter vencido tudo aquilo e todo esse processo traumático me fez perceber duas coisas:
- A tecnologia, de certa forma, me ajudou a me livrar de uma situação pior e talvez, até tenha salvo a minha vida;
- Mais mulheres no mundo precisam e devem ter o direito de ser independentes e decidir o que querem fazer da vida;
Desde esse episódio, a minha vida sofreu grandes mudanças, pois comecei a trabalhar e a criar iniciativas para capacitação de pessoas e especialmente de mulheres para o mercado de trabalho. Tive uma grande oportunidade de encontrar comunidades como a Mozilla e liderar o projeto WoMoz (Women and Mozilla) e ter meu trabalho reconhecido por várias pessoas e por conta disso, viajar para o outro lado do mundo para falar sobre ele e conhecer mais mulheres da área. Literalmente, a tecnologia não só salvou, mas também mudou a minha vida. Em 2015, criei o projeto WoMakersCode.org, que é uma união de várias iniciativas que desenvolvi até hoje e com ajuda de voluntários, capacitamos quase mil mulheres para o mercado de trabalho.
Durante meus 6~7 anos de carreira, trabalhei como desenvolvedora full stack e mobile em tecnologia nativa, focada na plataforma iOS. Organizo vários eventos de comunidades, como o Developer Day WoMakersCode e a Mobile Summit Brazil, que este ano tornou-se a maior conferência mobile do sul do Brasil. Atualmente, trabalho como evangelista técnica na Microsoft, dedicada à tecnologias open source e mobile.
2) Você organiza bastantes eventos e sempre tem preocupação em trazer mulheres para palestrar. Por quê?
Sim, organizo vários eventos, especialmente no trecho Porto Alegre <> São Paulo e sempre busco engajar o máximo de mulheres possível para palestrar ou ministrar atividades práticas. Abrir oportunidades para mulheres é algo extremamente importante, pois somos capacitadas e temos que mostrar isso ao mercado. No geral, vejo que muitas meninas que ainda tem timidez ou uma certa insegurança de liderar a entrega de conteúdo em eventos, mas busco através de algumas oficinas rápidas, ajudá-las a se preparar e a adquirirem confiança em seus conhecimentos.
3) Qual sua avaliação sobre a presença de mulheres na área de tecnologia? O que já conquistamos e o que precisa ser feito ainda?
Penso que ainda há muita coisa a ser feita para de fato ter um posicionamento mais forte das mulheres na tecnologia. Já conquistamos espaço de fala em muitos eventos de renome nacional e internacional, espaço de destaque em equipes técnicas e no mercado de trabalho como um todo. Mas, uma coisa que percebi na minha cidade (não sei se isso acontece de forma geral nas demais), é que existem muitos e muitos projetos em prol deste objetivo, mas que não se conectam ou que buscam se posicionar em formato de competição, no sentido de importância ou qual é melhor de qual… Acho que isso é péssimo, para o contexto geral da importância do feminismo, que prega a igualdade, não só de gênero, mas como um todo e no momento em que iniciativas para o benefício da criação de um ambiente e cultura melhor não se conectam ou se ajudam durante o crescimento, mais longe estaremos do nosso objetivo principal que é a inclusão.
4) O que você diria para mulheres que têm curiosidade em participar de eventos relacionados à tecnologia, mas têm receio de não se sentirem bem-vindas?
Diria para não se prenderem a estes medos, pois no momento que enfrentamos nossos obstáculos, um mundo novo abre as portas para aprendermos e fazermos coisas legais. Muitos eventos de tecnologia estão trabalhando para estabelecer um ambiente bacana para receber seus participantes e dedicando-se especialmente para eliminar esse sentimento de “será que serei bem-vinda?”. Ninguém virá especialista da noite pro dia, até a Ada Lovelace, teve seu primeiro dia e se não fosse um primeiro passo dela, coisas tão importantes não teriam acontecido na tecnologia. Quer ir num evento de tecnologia? Chame suas amigas, procure conhecer um pouco sobre as tecnologias que serão abordadas nele e não espere para participar. Juntas, somos mais fortes a cada dia.
Nossa amei conhecer este site. Muito bom divulgarei para mais mulheres e com certeza vou adentrar esta área do conhecimento que estava tão distante.