Desde quando eu comecei a minha jornada no mundo de tecnologia e desenvolvimento de produtos, o compartilhamento e a gestão do conhecimento sempre foram muito presentes porque eu via o poder e o impacto gerado quando esse processo era valorizado nas organizações.

Tudo começou com uma experiência única no desenvolvimento de software livre para instituições do terceiro setor conectadas com políticas públicas em 2013. Iniciativas estruturadas em software livre, geralmente, possuem uma comunidade ativa de pessoas usuárias e desenvolvedoras que contribuem para o seu desenvolvimento.

Isso foi um divisor de águas na minha carreira porque eu consegui ver na prática o poder de uma comunidade que documentava o que realmente era necessário, sem burocratizar processos e com o objetivo de disseminar conhecimento para proporcionar melhorias contínuas nos produtos.

Ao passar dos anos, fui para outros desafios profissionais em grandes consultorias para empresas multinacionais em que essa cultura não fazia parte do dia a dia das pessoas. Os documentos eram confidenciais, não podiam ser compartilhados e muito menos utilizados como referência para outras pessoas da própria organização.

Era terrível ver a ineficiência gerada por uma cultura que não fomentava a utilização do capital intelectual das pessoas para potencializar o uso de artefatos internos para a gestão do conhecimento. Isso deu um “nó” na minha cabeça, muito por ter experienciado algo que ali não era possível.

Depois de um tempo, voltando para o contexto de startups, pude ver que mesmo existindo a vontade de se compartilhar conhecimento, o trabalho assíncrono dificultava bastante na assimetria da informação por conta de ter muitos documentos descentralizados, sem propósitos claros, sem um fio condutor dos motivos pelos quais eram criados etc.

Mas, ao longo da minha carreira, pude perceber que há formas de melhorar esse fomento da gestão do conhecimento! E é isso que vim contar para vocês!

A busca da simetria da informação durante a construção de produtos

Na construção de produtos, a busca pela simetria da informação é crucial para garantir relações justas e transparentes entre as pessoas envolvidas nesse desenvolvimento, desde pessoas desenvolvedoras, times de outras áreas impactadas e até a camada executiva da organização. Por que não deixar a documentação livre para qualquer pessoa que tenha interesse ou diretamente necessite ter acesso fácil às mesmas informações relevantes sobre o produto? Essa simetria é fundamental para:

  1. Criar confiança: quando as pessoas interessadas na construção do produto têm acesso às mesmas informações, a confiança é estabelecida. Isso facilita a colaboração e a resolução de problemas.
  2. Tomada de decisões informada: com acesso à informação completa, de uma mesma fonte, as pessoas podem tomar decisões conscientes sobre o produto, seja em relação ao seu uso, desenvolvimento ou novas melhorias e investimentos.
  3. Gerenciamento de expectativas: a simetria da informação ajuda a evitar expectativas irreais, pois as pessoas envolvidas estão cientes das capacidades e limitações do produto (por exemplo: roadmap de próximas iniciativas).
  4. Prevenção de assimetria de poder: sem acesso equitativo à informação, alguns stakeholders podem ter uma vantagem indevida sobre outras pessoas. A simetria da informação contribui para um ambiente mais justo e equilibrado.

O poder da documentação

A documentação, muitas vezes vista como um mero formalismo, tem um poder transformador quando utilizada de forma estratégica. Ela atua como um alicerce para o sucesso de um produto, alinhando stakeholders, identificando riscos e acelerando a entrega de valor para o cliente.

Ao centralizar informações e definições, a documentação garante que todos os envolvidos estejam na mesma página, evitando ruídos na comunicação e desalinhamento. Ela serve como um guia essencial, desde a fase de concepção até a entrega do produto, garantindo que todos os esforços estejam direcionados para o mesmo objetivo. Inclusive, no modo assíncrono, facilita a tomada de decisão sem depender, necessariamente, de reuniões síncronas.

Esse poder também se revela na capacidade de identificar e mitigar riscos. Ao documentar as regras do produto, avaliar premissas e suposições, potenciais problemas e obstáculos são antecipados, permitindo que medidas proativas sejam tomadas para minimizá-los.

Essa análise crítica contribui para a construção de um projeto mais sólido e resiliente e pode (e deve, rs) contar com a ajuda de outras áreas da organização nessa análise geral.

A documentação de produtos não se limita a um mero registro de informações, mas sim uma ferramenta poderosa que alinha stakeholders, identifica riscos e impulsiona a entrega de valor para o cliente. Investir em uma documentação clara, concisa e completa é investir no sucesso do produto e na satisfação do nosso cliente.

Alcançar essa simetria exige esforço proativo por parte das pessoas de produtos. Isso pode ser feito por meio de:

  • Documentação clara e acessível: criar documentação de fácil compreensão sobre o produto, incluindo sua visão, estratégia, motivadores, dados, funcionalidades, requisitos e limitações.

  • Comunicação transparente: manter um canal de comunicação aberto e transparente com todos os stakeholders, fornecendo atualizações regulares sobre o desenvolvimento do produto e respondendo a perguntas e dúvidas de forma clara e objetiva.

  • Feedback e participação: incentivar o feedback dos stakeholders e incorporá-lo no processo de desenvolvimento do produto. Isso garante que o produto atenda às necessidades e expectativas de todos as pessoas envolvidos.

Artefatos flexíveis

Para isso, a documentação precisa ser enxuta e eficaz, ou seja, ela deve ser um catalisador para tomada de decisão e clareza das pessoas envolvidas. Isso não quer dizer que seja algo fácil de ser feito, pelo contrário, mas a busca incansável por chegar nessa excelência é que torna o caminho da pessoa de produto cheio de aprendizados.

Case do Guia de UX do Open Finance

O Guia de Experiência do Usuário do Open Finance é um documento oficial disponibilizado pelo Banco Central que define diretrizes para a experiência da pessoa usuária no compartilhamento de dados e iniciação de pagamentos dentro da estrutura do Open Finance.

A construção do guia é um ótimo exemplo de como uma documentação pode colaborar para a melhoria de um ecossistema maior que é composto por associações, que representam instituições do sistema financeiro e pagamentos do Brasil em colaboração a partir de estudos, propostas, discussões e deliberações na evolução constante do material.

Toolkits para a comunidade

Como forma de compartilhar com a comunidade, tenho criado alguns toolkits de artefatos, vídeos, livros, artigos, relatórios, entre outros, que vou encontrando ao longo do tempo na minha jornada. Estão disponíveis no meu site e é algo bem vivo e atualizado com frequência.

https://thaisrigolon.com/toolkits/

E você, como tem gerenciado a documentação e a gestão do conhecimento na sua organização? Compartilhe suas práticas, desafios e aprendizados nos comentários abaixo!

Artigo escrito por Thaís Rigolon, da Comunidade PrograMaria.