Apesar de ser uma ferramenta poderosa, o feedback não é uma solução para todos os problemas e não é suficiente para manter o alinhamento a direitos humanos e valores da empresa
Crédito: Vinta Software
Já vimos que é possível envolver todo o time em uma dinâmica de feedback, descobrindo as Dinâmicas Ágeis de Feedback. E, ao comentar o que é um feedback efetivo e o que ele pode fazer por sua carreira, eu falei um pouco sobre como nossos vieses podem afetar a cultura de feedback. Disse que alguns feedbacks são tendenciosos. Não deveria ser, mas feedbacks vêm de pessoas e todo mundo tem seus próprios (pré)conceitos.
Quero recapitular essa frase porque características como raça, sexualidade, gênero, identidade, habilidade, cultura, hobbies, família, classe social, política, crenças e valores mudam drasticamente de pessoa para pessoa. Essas características são essencialmente o que nos torna quem somos, certo? Seres humanos têm mentalidades profundamente diferentes, baseadas nas experiências de vida que tiveram.
Portanto, quando estamos falando dessa variedade extensa de origens, precisamos encontrar pontos comuns e estabelecer regras básicas, especialmente quando consideramos grandes empresas, com milhares de pessoas empregadas em diversos locais. Muitas vezes, o feedback não é suficiente para manter todo mundo alinhado aos direitos humanos e valores da empresa. Precisamos garantir que este grupo diverso aja adequadamente de acordo com os estatutos da empresa. Isso é vital para garantir a dignidade e segurança das pessoas, e assegurar que o grupo possa coexistir harmoniosamente no mesmo espaço, apesar de todas as diferenças.
O feedback é uma ferramenta poderosa, mas não uma solução para todos os problemas. Não é uma resposta permanente para como lidar com diferenças no local de trabalho.
Assim, a cultura de feedback não pode resolver tudo e alguns momentos e situações exigem ações extras. Assuntos como assédio precisam ser relatados à liderança da empresa e, dependendo da gravidade do problema, levados às autoridades. Sua empresa não tem direito de pedir que você se cale ou lide com esse tipo de situação por meio de feedback. Você tem direitos (humanos) e é livre para exercê-los.
Segue uma lista de coisas que você absolutamente não precisa lidar por meio de feedback: abuso, sexismo, racismo, capacitismo, LGBTfobia, xenofobia e qualquer opressão contra grupos marginalizados. Caso sinta que está sofrendo assédio (físico, sexual ou psicológico), comece a conversar com pessoas que confia e a procurar ajuda para se proteger.
Se você acha que alguém está sofrendo assédio, não ignore. Converse com a pessoa e descubra um curso de ação conjuntamente. Na maioria das vezes, é mais fácil para quem não está sentindo os efeitos diretamente falar e tomar medidas para corrigir o problema.
Entendo que nem sempre as pessoas vão querer divulgar uma situação como essa e sentirão a necessidade de manter sigilo (geralmente por medo ou vergonha), mas essa é uma escolha sua, de mais ninguém. E, principalmente, não é uma escolha de fato. É assim que a sociedade funciona, nos fazendo sentir culpa por coisas que não são nossa culpa e mantendo empresas e pessoas que têm comportamentos ilegais e problemáticos protegidas e seguras. Ainda assim, quero compartilhar uma palestra incrível da Luvvie Ajayi Jones, escritora do livro I’m Judging You: The Do-Better Manual (disponível somente em inglês). Nessa palestra, ela fala sobre a importância de dizer o que pensamos, mesmo quando nos sentimos desconfortáveis ou com medo: “seu silêncio não ajuda ninguém”, diz Luvvie.
Por que lideranças deveriam se preocupar em criar ambientes mistos e saudáveis?
A resposta é bem direta. A empresa deve ser um local convidativo para todas as pessoas prosperarem e ajudarem o negócio a crescer. A McKinsey & Co fez um relatório de estudo chamado Delivering through Diversity (entregando através da diversidade, em tradução livre, disponível somente em inglês), que mostra que empresas com equipes diversas são mais lucrativas que aquelas com equipes semelhantes. As chances são que um negócio seja 21% e 33% mais lucrativo com a diversidade de gênero e raça, respectivamente. Portanto, para quem quer ganhar mais dinheiro, direitos humanos e mudar a cara da tecnologia devem estar em suas principais preocupações, porque existem poucas coisas no mundo que fazem um negócio ter essa porcentagem extra de lucro com mínimo esforço e investimento.
Quero nos encorajar a falar não apenas sobre cultura de feedback, mas também sobre onde o limite do feedback foi ultrapassado.
Pense em como podemos rastrear feedbacks recorrentes sobre comportamento inadequado. Quanto é suficiente? Quais são as consequências para quem atinge esse limite? Existe uma política sobre isso? Se não houver, é hora de começar a construir uma solução eficaz. Isso pode impedir que as pessoas sintam que não têm outra escolha a não ser ficar caladas, pedir demissão ou coisa pior. Escreva uma política específica e descritiva sobre essas questões, pois regras vagas não ajudam ninguém, além de quem cometeu a agressão. Se você tem interesse em como integrar direitos humanos aos valores e estatutos da sua empresa, esses dois guias podem te ajudar a começar:
- Um guia para integrar direitos humanos ao gerenciamento de negócios (disponível somente em inglês)
- Um guia para as empresas — Como desenvolver uma política de direitos humanos (disponível somente em inglês)
Feedback como ferramenta de transformação das dinâmicas sociais
Tudo isso dito, gostaria de nos encorajar a nos colocar em papéis e dinâmicas sociais opostas em relação a feedback. Fiz uma pesquisa sobre soft skills e feedbacks que as pessoas recebem sobre esse tópico. Descobri que 79% das pessoas que deram feedback construtivo têm mais experiência ou ocupam posições mais altas na empresa, contra 17% das pessoas que têm menos experiência ou ocupam posições mais baixas. Outro dado interessante é que 85% desses feedbacks vieram de homens brancos, 62% de mulheres brancas, 23% de homens não-brancos e 19% de mulheres não-brancas. Portanto, precisamos urgentemente começar a pensar em feedback como parte da estrutura da sociedade. Como podemos tornar essa cultura mais justa? Como nos conscientizamos de nossos próprios vieses e preconceitos?
Nesta nota, gostaria de sugerir: se você é alguém sênior, peça feedback a alguém júnior. Se você é um homem branco, peça feedback a uma mulher negra. Se você é gerente ou líder, peça feedback à sua equipe.
O feedback deve nos tirar das nossas zonas de conforto para que possamos crescer a partir dele; precisamos ser capazes de nos abrir e escutar uma perspectiva diferente. Todo mundo tem algo para ensinar e algo para aprender. É hora de trazer liderança horizontal à realidade, aplicando esses valores a tudo e todos. Vamos levar cultura de feedback não apenas para as pessoas que têm costume de serem ouvidas, mas também para aquelas que estão acostumadas a serem silenciadas.
Agradecimento especial às pessoas que contribuíram com esse artigo por meio de feedbacks e revisão: Greicy Souza, Lais Varejão e Robertson Filho.
UX Designer, agilista, criadora de conteúdo e pesquisadora. É palestrante e professora com objetivo de compartilhar e democratizar o acesso ao conhecimento. Atualmente tem focado em temas como implementação e consolidação de processos ágeis e soft skills. Redes sociais: LinkedIn