Bate uma insegurança ao pensar em palestrar? Não sabe sobre o que falar? Acha que não sabe nada relevante? Então esse artigo é para você!
Muita gente diz que a melhor forma de aprender é ensinar. Eu levo isso comigo já há algum tempo, e esse foi um dos grandes motivos para que eu começasse (e continuasse) a palestrar. É muito gratificante ver que é possível passar um pouco do conhecimento que você tem, mesmo que ele te pareça bem minúsculo e irrelevante. É mais gratificante ainda ver que quem mais aprende nessa jornada é a pessoa palestrante, no caso, você.
Como comecei?
10 de julho de 2017 foi o dia em que fiz minha primeira palestra. Não faz muito tempo, mas parece que foi há uma eternidade. Lembro muito bem de quando ofereci a Creditas (onde eu trabalhava na época) para sediar um meetup (RubyOn) e o organizador disse que encontraria alguém para fazer uma palestra. Ele me pediu que encontrasse alguém da Creditas para fazer a segunda palestra, compondo a nossa noite de troca de conhecimentos.
Perguntei a um amigo da empresa quem ele achava que deveria fazer a palestra no meetup e ele, sem pensar muito, me olhou e disse: “Você, ué”. Eu fiquei perplexa, sem saber muito bem como reagir. Respondi algo como: “Eu? Quê? KKKK Nem rola! Vou falar sobre o quê? Sei vários nadas!”. Ainda assim, esse meu amigo foi legal o suficiente para dizer que eu sabia algumas coisas sim, e me indicou um tema: “Fala sobre as coisas legais que a gente faz nos testes aqui na firma”. E eu falei:
Como você pode começar?
Para enviar uma palestra para um evento, tudo que você precisa é de um título e um resumo. Você só precisa realmente fazer a palestra depois que ela for aceita. A parte difícil é saber sobre o que falar. Minha dica é fazer algo parecido com o que aconteceu comigo: pergunte às pessoas à sua volta sobre o que elas acham que você poderia falar, ou sobre o que gostariam de ouvir. Outro caminho bacana é pensar em coisas legais que você e as pessoas com quem você convive fazem no trabalho (ou na comunidade).
Mesmo que você não seja expert no assunto indicado (ou escolhido), mesmo que você sinta que do seu lado tem um monte de gente que claramente entende muito mais sobre o assunto do que você, não se assuste: fale sobre isso assim mesmo! É bem provável que algumas coisas aconteçam (aconteceram comigo e com outras pessoas com quem já conversei sobre isso, pelo menos):
- Você vai mostrar um ponto de vista diferente das pessoas que você acha que manjam mais do que você;
- Você vai encontrar diversas pessoas que não manjam mais que você, e sua palestra vai ensinar muito a elas;
- Você vai mostrar a algumas pessoas que elas estavam certas sobre determinado assunto, elas só não tinham comprovado de nenhuma outra forma antes;
- Você vai perceber que um assunto que para você é trivial (e você acha que todo mundo sabe), na verdade não é, e as pessoas precisam ouvir justamente sobre ele;
- E, mais importante de tudo, se você for de algum grupo historicamente oprimido (uma das “minorias”), você vai ser um ícone de representatividade para quem já está na área, ou quer entrar.
Me convenci a palestrar, mas como eu defino um assunto?
Como eu já mencionei, o caminho mais fácil é perguntar para pessoas ao seu redor sobre o que elas gostariam de ouvir, ou pensar em algo que você fez (ou está fazendo) que te deixe empolgada. No geral, qualquer assunto é bom o suficiente, dependendo do público que você tem. Por exemplo, dar uma introdução a Rails em um evento cujo público-alvo são pessoas que já conhecem bastante de ruby talvez não seja uma boa ideia. Mas essa mesma palestra, em um evento para quem está iniciando em tecnologia (como o Rails Girls), seria super lindo e bem-vindo.
Dito isso, aqui vai mais uma dica: conheça seu público alvo! Que tipos de pessoas costumam frequentar o evento no qual você gostaria de palestrar? O que elas querem aprender? O que você quer ensinar ou mostrar? Qual a senioridade delas? Que tipos de assuntos geralmente são bem-vindos nesses eventos? Algumas dessas perguntas geralmente são facilmente respondidas pela organização do evento, mas você também pode descobrir isso se frequentou alguma edição anterior do evento ou até mesmo olhando o conteúdo delas (no youtube ou no site do evento).
Definido um assunto macro, é “só” escrever um resumo sobre o que você pretende falar. Mas, antes de fazê-lo, pergunte às pessoas que você conhece sobre o que elas gostariam de ouvir dentro desse assunto. Depois de pronto, mande para a mesma galera revisar (ou para outras pessoas).
Naquela primeira palestra que eu fiz, eu só defini um assunto e uma descrição bem mediana e parti para os estudos. Foram algumas boas horas (divididas em alguns dias, divididos em algumas semanas) até que eu chegasse num resultado satisfatório para mim. Eu, que considerava saber bem pouco sobre testes e que estava zero confortável para falar sobre o assunto, me esforcei e aprendi tanto ao fazer a palestra que hoje me considero “a chata dos testes”, aquela vai azucrinar geral até fazerem testes bonitos.
Você já contou histórias antes?
Contar uma história é narrar acontecimentos do cotidiano, é apresentar para um público específico uma narrativa que parte de certa leitura do mundo (fonte: Rita de Cássia Alves Lopes dos Santos [PUC-SP]). Palestrar é contar uma história: você apresenta um assunto, que representa acontecimentos da sua vida (seja no trabalho, na comunidade, em projetos pessoais ou em estudos), para um público específico. E, da mesma forma que você espera que histórias contadas tenham início, meio e fim, a sua palestra também deve ter início, meio e fim.
Um outro aspecto de histórias contadas é que quando você sabe a forma que você quer contar a sua história, definir o que você vai falar nela pode ficar um pouco mais fácil.
Separei algumas de minhas palestras por tipos para ficar mais claro. Acho que pode te inspirar:
Tipo | Descrição | Exemplo |
Case Técnico | Apresentar um desafio, contar da análise de como resolver esse problema, o caminho escolhido, detalhes da implementação, desafios e aprendizados do caminho, e resultados obtidos. | Event Driven Arquitecture na Creditas – apresentado na QConSP 2019 |
Boas práticas | Expor as melhores estratégias e práticas de determinado tema (ou como evitar seguir as más práticas). | Como não odiar seus testes – apresentado na RubyConf 2017 |
Biografia | Inspirar, contar jornada individual (ou coletiva), compartilhando desafios e lições aprendidas | From zero to hero – apresentado em alguns TDCs e outros eventos (esse não tem vídeo) |
Conceito | Explicar detalhes de algum conceito específico | Arquitetura Hexagonal – apresentado na Intercon 2017 |
PS.: Existem vários outros tipos e mesclas de tipos de palestra, não se prenda a eles, a ideia é ampliar os horizontes! Você encontra outras palestras que já dei aqui: https://speakerdeck.com/camilacampos
A palestra foi aceita! E agora?
Título montado, descrição escrita, formato definido, palestra enviada para algum evento e: ACEITA! Aposto que você nem acreditava que isso seria possível, né? Mas, olha, se te escolheram para falar no evento é porque acreditam no seu potencial! Se não foi aceita (ainda), pense em como pode deixar a descrição melhor, e mande para outros eventos. Insista bastante. Uma hora ela será aceita!
Eu mandei a mesma palestra que fiz na firma antiga com o empurrão do meu amigo para vários outros eventos (já tinha uma pronta, né, para quê fazer outra tão cedo?). Em muitos deles ela não foi aceita (em vários, eu não tive nem resposta), mas eu fui melhorando e incrementando a descrição conforme ia aprendendo mais, até que ela passou a ser aceita com mais frequência (tanto que fiz ela até em inglês).
E, então, chegou a parte mais trabalhosa: montar a palestra e os slides.
Minha dica mais preciosa nesse momento é: se agarre ao seu título e à sua descrição. Eles devem ditar o decorrer da sua palestra. MAS pode ser que, ao fazer só a descrição, você não tenha transmitido o cerne da coisa. Pode ser que ao fazer a palestra você veja que não é muito bem o que está escrito lá que você realmente vai falar. E tudo bem! Tente não fugir tanto do assunto, mas ainda assim mostrar o que é importante sobre ele. Ou ainda, tente conversar com a organização do evento sobre mudar ligeiramente a descrição da sua palestra para que ela esteja de acordo com o que você vai falar.
Confissão: Eu já mandei um “Eu menti” numa palestra, porque parte do título dela não condizia com o que eu ia falar e ninguém reclamou (a descrição ainda estava bastante de acordo com o que eu apresentei).
Outra dica, também de extrema valia, é: estude bastante! Leia artigos e livros (ou trechos de livros) sobre o tema, veja outras palestras de temas parecidos, converse com as pessoas sobre o assunto. Existe alguma referência muito forte naquele assunto? Leia e veja bastante o que essa referência diz. Na sua palestra, você pode fazer basicamente um compilado desse tanto de informação de uma forma que consiga explicar para si mesma e para os outros.
E os slides?
Lembra que eu falei que palestras, assim como histórias, devem ter início, meio e fim? Quando você monta a sua apresentação, isso entra em prática. Tente criar um roteiro, mesmo que simples, de coisas que você quer falar durante sua palestra. Tente entender como um tópico encaixa no outro, de forma que não pareça dois assuntos jogados aleatoriamente. Eu costumo seguir esses passos na hora de criar um conteúdo novo:
- Escrever qual é o ponto chave/principal da sua palestra (tipo um resumo do resumo, ou uma frase curta que deixe claro o que você quer ensinar com sua história)
- Fazer uma lista com todos os assuntos que você acha de deveria abordar durante sua palestra (geralmente tenho itens e mais até uns 3 níveis de subitens dentro deles);
- Entrar a fundo em cada um dos itens da lista e deixar claro o que você quer abordar dentro de cada um;
- Organizar a ordem que esses assuntos devem aparecer (no geral, ir do mais simples ou geral para o mais complexo ou específico é uma boa ideia);
- Entender se tudo que você colocou como assunto é o suficiente para passar a mensagem que você definiu no passo 1 (e, se não for, adicionar mais coisas até que seja);
- Fazer seus slides de fato, sempre passando por tudo que você já criou para garantir que as coisas estejam fazendo sentido.
- Se, ao treinar, você passar do tempo estipulado pelo evento, remova coisas da sua apresentação. Como norte, é bom ter pelo menos uns 5 minutos de folga durante os treinos. Uma coisa que costumo fazer é remover coisas que não prejudiquem o entendimento do meu ponto principal e colocar elas no final (depois do slide de “Obrigada”), como bônus: se sobrar tempo, posso entrar nos bônus; se não sobrar, fica nos slides disponíveis para quem baixar depois.
Na hora de montar os slides, vale ficar atenta a alguns pontos:
- Slides com muito texto tendem a fazer com que as pessoas parem de prestar atenção no que você está falando e comecem a ler o texto. Aposte em slides com pouco ou nenhum texto (imagens e bullets são bem legais).
- Ficar muito tempo falando em um mesmo slide também pode fazer com que as pessoas se distraiam com a respiração do coleguinha do lado. Transições mais rápidas geralmente prendem mais a atenção da galera.
- Não é uma boa prática confiar na qualidade e no tamanho da projeção de onde você vai apresentar. Pense sempre que você pode apresentar numa tela pequena, com uma projeção meio amarelada. Por isso, foque em slides com letras grandes (fontes mono-espaçadas são legais) e contraste alto (eu, pessoalmente, gosto de fundos claros, e letras grandes com cores fortes).
- Caso você coloque código nos seus slides, lembre-se que a dica acima é especialmente importante nesse caso (evite fundos muito escuros, sério). Procure evitar colocar um trecho muito grande de código de uma vez: foque apenas no que é importante (cai na primeira dica também).
- Tente colocar alguns “marcos” nos seus slides, que indiquem o quanto falta para sua apresentação terminar. Assim, você consegue acelerar ou diminuir o seu ritmo conforme o tempo que você tem sobrando e o tanto de conteúdo que você ainda precisa apresentar.
Live Coding é uma boa ideia?
Já ouviu falar na lei de Murphy? Ela diz que se algo pode dar errado, dará; e isso é especialmente verdade para live codings (codar ao vivo, na hora da palestra). Portanto, pense 3 vezes antes de seguir por esse caminho.
Como eu disse em uma das dicas acima, não confie na qualidade dos espaços onde você vai palestrar. Já vi (e vivi) várias situações complicadas, que inviabilizaram abordagens do estilo live coding, como, por exemplo:
- Estar em um local sem internet ou com internet ruim;
- Precisar posicionar o computador distante de você;
- Não conseguir conectar o seu computador no projetor e precisar usar o de outra pessoa;
- Escrever alguma coisa errada ou esquecer algum passo durante o live coding, e isso acarretar erros e demora (lembre-se dos níveis de nervosismo durante a palestra);
- Ter seu computador roubado um dia antes do evento (aconteceu comigo, chorei muito).
No geral, colocar trechos do código que você fez e uma referência ao código completo (no github, por exemplo) dá no mesmo que fazer um live coding (para quem está te assistindo). Sei que posso ter te assustado um pouco aqui, mas nem sempre fazer live coding é ruim: pode ser que faça sentido para você. Nesse caso, seguem algumas dicas para facilitar esse momento:
- Avise a organização do evento que você pretende fazer live coding, assim o ambiente já vai estar preparado para isso;
- Já deixe seu computador todo preparado, com tudo que tiver para baixar já no jeito, para você não depender de internet;
- Treine bastante antes, para garantir que o nervosismo não seja um grande empecilho;
- Já deixe o código todo pronto também e use-o como referência para você não se esquecer de nada (copiar e colar também pode ser uma boa abordagem).
Muito legal, mas eu ainda tenho MEDO ):
Slides feitos, mas você ainda precisa encarar aquele povo todo e falar sobre um assunto sobre o qual você talvez ainda não se sinta muito segura. E agora? D:
Muitas pessoas têm a ilusão de que palestrantes mais experientes são imunes ao nervosismo, especialmente se estão dando a mesma palestra pela segunda (ou 15ª vez). Tudo mentira! Infelizmente, a tensão pré-palestra é algo com o que você vai ter que aprender a conviver. Pelo menos na minha não tão longa experiência, ela não passa nunca. ): Talvez diminua um pouco se você estiver bem confiante com sua palestra e se você estiver em um ambiente mais confortável. Mas passar, mesmo, não passa.
O medo de você não saber o que falar, o medo de te perguntarem alguma coisa que você não sabe responder, o medo de saber menos do que quem está te assistindo, o medo de subir no palco, o medo de subir no palco e falar algo para um monte de homem-branco-cis-hétero (a “maioria”), o medo de estar lá falando, mas ninguém estar prestando atenção em você, entre tantos outros medos.
Alguns desses medos até são contornáveis (ou amenizáveis). Você pode, por exemplo, ter sempre uma pessoa que você confia na plateia, e focar principalmente nela ao dar a palestra: isso vai reduzir sua insegurança. Outra técnica bastante valiosa é treinar: treine no trabalho, treine com os amigos, treine sem ninguém, treine com os bichinhos de estimação, treine com os bichinhos de pelúcia etc. Quanto mais você pratica o que tem que falar, mais segurança tem. Uma outra maneira de sentir mais segurança é tentar participar de eventos mais acolhedores (eventos que pregam e exercitam a diversidade, como eventos focados em determinada “minoria”).
Apesar desses contornos e amenizações da insegurança, o medo, em si, não costuma ir embora. Mas é aí que a gente lembra dos posts do tumblr, dizendo: E, se der medo, vai com medo mesmo, ou ainda na maravilhosa da psicóloga social Amy Cuddy em seu TED Talk (disponível em inglês, com legendas em português) dizendo para fingirmos até atingirmos nossos objetivos. Finge que sabe do que está falando, finge que não está sentindo tanto nervosismo assim, vai lá e mostra para todo mundo que você pode e deve ocupar esse espaço, que na real você sabe SIM do que está falando.
Quando eu fiz minha primeira palestra, não consegui esconder meu nervosismo. Falei tão rápido que passei por mais de 100 slides em menos de 30 minutos. E, na verdade, o que acontece agora é que eu já aceitei que vou estar nervosa e que eu vou falar muito rápido, então eu apenas faço mais slides (e tento tomar água no meio da palestra, o que me ajuda a desacelerar um pouco)!
Nessa mesma época, um dos muitos medos que eu tinha ao fazer palestras era de perguntarem alguma coisa e eu não fazer ideia do que responder. Até que eu aprendi que é super OK dizer: “não sei”. A resposta padrão que eu dou e que vejo o pessoal dando por aí (e que funciona lindamente) é “não sei, mas posso dar uma pesquisada e a gente volta a conversar disso depois, é só me chamar em alguma das minhas redes sociais”. Abuse dessa resposta também. As pessoas costumam viajar nas perguntas e você não tem obrigação de saber tudo.
OK, vou mandar uma(s) palestra(s)! Para onde mando?
Existem alguns sites que listam eventos e chamadas para palestras abertas. Vale dar uma olhadinha neles!
Se precisar de ajuda com tema, descrição ou slides de palestra, me chama no twitter (@camposmilaa) que a gente conversa sobre isso!
E se você tem algum assunto sobre o qual gostaria de ouvir, comenta aqui no post para servir de inspiração para todas as pessoas que lerem até aqui. 😀
A primeira versão deste artigo foi publicada aqui.