A engenheira colombiana defende que, para assegurar mulheres em todos os tipos de cargo, é necessário assegurar um ambiente de trabalho de equidade de desempenho e desenvolvimento
Por Nana Soares
Conheci a engenheira colombiana Claudia Vásquez num debate sobre diversidade no ambiente de trabalho, em São Paulo. Lá, ela aproveitou a experiência de mais de 20 anos na indústria de tecnologia e falou sobre as dificuldades em aumentar o efetivo de mulheres nas empresas da área e sobre como as organizações só têm a ganhar ao investir nisso. Ela bateu muito na tecla de que a disparidade começa na infância e resulta em uma diferença muito grande de profissionais. Por isso mesmo é que a mudança tem que começar cedo.
Hoje, ela é presidente na América Latina da empresa de softwares CA Technologies e uma forte defensora de políticas mais igualitárias nas empresas. Confira a conversa que tive com Claudia:
PROGRAMARIA Você possui grande experiência na indústria de tecnologia. Quais foram suas experiências mais marcantes até chegar à CA Technologies?
CLAUDIA VÁSQUEZ Trabalhei toda a minha vida nessa área. Já são 21 anos de experiência. Comecei trabalhando em empresas como Price Waterhouse Cooper, IBM SAP e, agora, estou na CA Technologies, como presidente para a América Latina. Sou colombiana e moro em Bogotá, onde estudei Engenharia de Produção Agroindustrial, na Universidade de La Sabana. Graças à minha formação de Engenheira, tive a oportunidade de começar a trabalhar em tecnologia desde muito jovem, ainda durante a faculdade. Desde então, nunca saí da área.
Você sentiu dificuldades para se firmar nas empresas por ser mulher?
Não. No meu caminho, não enfrentei dificuldades de gênero para crescer em diferentes posições, apesar de, no setor de tecnologia, em geral, as mulheres serem minoria. Tive a sorte de trabalhar com líderes que foram muito bem orientados para resultados e capacidades. Por isso, sempre senti que tive as mesmas oportunidades e que fui avaliada da mesma maneira que qualquer pessoa que trabalhou comigo, independentemente do gênero.
Apesar de você não ter passado por isso, acredita que há dificuldades para as mulheres no mercado?
Sim, existem diferentes barreiras. Creio que um dos grandes desafios está na hora de participar dos processos de seleção. Algo que eu me deparo todos os dias é que, se eu recebo dez currículos para uma vaga, oito ou nove são de homens e apenas um ou dois são de mulheres. Como nosso principal objetivo é sempre ter a pessoa mais qualificada para o trabalho, somos muito objetivos na hora de selecioná-los, mas é evidente que, se você tem uma amostra menor de mulheres, estatisticamente é muito mais difícil que essa vaga vá para uma delas. Então, meu conselho é que as mulheres entendam que a tecnologia tem muitos ramos, muitas possibilidades comerciais, de processos de negócio e de relacionamento que são interessantes. Nesse sentido, acho que pode haver cada vez mais mulheres envolvidas com esses setores. O que percebemos também é que as mulheres que estudam tecnologia tendem a ter muito sucesso no setor.
A empresa que você preside tem alguma política ou ação para promover a inserção de mulheres na área?
Na CA, nossa política é de não acreditar que as mulheres são adequadas apenas para certas áreas do negócio, como as administrativas ou as que não estão diretamente relacionadas com o escopo da empresa. Pelo contrário, queremos diversidade desde a origem do desenvolvimento do nosso software. Para isso, precisamos assegurar que o ambiente de trabalho seja de respeito e equidade. As empresas devem evitar que a força de trabalho feminina se sinta delegada a cargos mais operacionais e menos gerenciais ou, em outras palavras, as empresas têm que garantir que a força de trabalho feminina tenha as mesmas oportunidades de desempenho e de desenvolvimento de carreira que os homens.
As empresas sofrem com a falta de mulheres e de diversidade?
Atualmente, várias pesquisas demonstraram que as companhias que têm foco em diversidade de gênero, sobretudo na tecnologia, estão à frente de seus concorrentes. Quanto mais experiências diferentes você tem por trás de produto, mais inovador ele é. Então, não ter essas políticas dentro da empresa pode gerar perdas para o seu negócio.
O que fazer para reverter esse quadro?
Por exemplo, quando publicamos uma oportunidade de trabalho na página da CA, cuidamos principalmente da linguagem, que não deve fazer com que as mulheres se sintam excluídas. Temos trabalhado muito para ter um modelo de comunicação que permita que qualquer pessoa que vá se candidatar a um cargo se sinta representada e reconhecida como uma boa candidata. Isso pode se somar a ações mais gerais, como políticas internas de trabalho que estejam claramente orientadas para a diversidade de gênero, ao respeito e ao trabalho em grupo.
O que você diria para alguém que falasse para uma mulher: “se você for talentosa, terá o seu lugar independentemente de qualquer fator”?
Eu diria que isso é verdade, porque sempre achei que, com talento, se pode conquistar qualquer coisa que desejamos. Mas é inegável que precisa haver uma avaliação profunda da cultura organizacional das empresas, do setor da tecnologia ou de outros, para assegurar que a diversidade é valorizada e defendida. Assim, será possível assegurar que os diferentes chefes terão a capacidade de avaliar os empregados com base nos resultados e na diversidade de pensamento, sem ficar enviesados por qualquer questão alheia a essas, como a de gênero. Somado a isso, eu estou convencida de que nós, mulheres, podemos demonstrar que estamos capacitadas para uma determinada função.
Que recado você deixa para as meninas que querem aprender programação ou pensam em seguir carreira na área de computação e tecnologia?
As mulheres devem seguir liderando. Cada vez mais encontramos mulheres líderes na área de tecnologia e isso é muito agradável. Quando vou a eventos ou convenções e me encontro com representantes de empresas do setor, tenho visto mais e mais mulheres. Temos que aproveitar esse momento. Sinto que a América Latina começa a ter líderes mulheres em tecnologia em um mundo que, há alguns anos, era totalmente masculino.
Nana Soares é jornalista e escreve sobre violência contra a mulher e feminismo em seu blog no Estadão. É autora de “Ao Redor – as diferentes violências contra as mulheres” e co-autora da campanha contra o abuso sexual do metrô de São Paulo. Faz parte do podcast Pop Don’t Preach, que discute feminismo e cultura pop.